sábado, 21 de agosto de 2010

PARA ALÉM DO MODO PSICOSSOCIAL

Publicado em 20/08/2010 por reformapsiquiatrica http://reformapsiquiatrica.wordpress.com/2010/08/20/para-alem-do-modo-psicossocial/

A partir de uma palestra da Nicácio sobre o Modo Psicossocial fiz algumas anotações e reflexões para melhor absorver o conteúdo.

Bom, no trabalho com o usuário do serviço de saúde mental nosso processo de avaliação precisa estar mais atrelado ao atribuir valor do que ao ato de fiscalizar, desse modo estamos promovendo reabilitação psicossocial.

Este trabalho precisa ainda nortear-se por uma perspectiva teórica, e, dentro da perspectiva teórica basagliana e de Saraceno, entende-se a reabilitação implicada com o resgate do exercício dos direitos de cidadania.

Ao abordarmos o tema da reabilitação psicossocial devemos ter em mente que há vários olhares e perspectivas possíveis, não há uma verdade absoluta, há, isto sim, diversas linhas de trabalho.

Parafraseando Paulo Amarante, a tradição basagliana é a desinstitucionalização, a superação dos manicônios, a saída das pessoas dos hospitais psiquiátricos.

Ao lidarmos com o atendimento em serviços de saúde mental o recurso da territorialização é bastante eficaz, pois viabiliza o protagonismo dos usuários e familiares em sua convivência no dia-a-dia inseridos na comunidade.

O processo da territorialização é parte da transformação cultural, importante para que a transformação estrutural não seja limitada a mudanças físicas na estrutura dos locais de atendimento sem o devido cuidado e atenção às pessoas em seus direitos civis.

Refletindo sobre valores humanos, temos que a liberdade é a maior descoberta da psiquiatria. Que a liberdade é um direito fundamental da pessoa com sofrimento mental pode ser algo óbvio, mas o óbvio é difícil quando se coloca o homem frente a frente consigo mesmo, com sua humanidade e com toda a fragilidade envolvida nisto.

A institucionalização implica também na perda de direitos. O louco pertence a um grupo social considerado a princípio sem direitos. Neste contexto, a Reforma Psiquiátrica vem em prol da pessoa em seu livre estar no mundo, é uma concepção ético-política.

O louco deve ter garantido, inclusive, seu direito de recusar o tratamento e o cuidado. É neste ponto que nossa responsabilidade ético-sanitária de não abandonar a pessoa a sua própria sorte pode conflitar-se com os direitos da pessoa. Este desafio está presente no dia-a-dia do nosso trabalho: “Nós sabemos o que é melhor para os usuários?” O que é melhor para os usuários surge a partir do diálogo constante. Por exemplo, o usuário que não pode sair do CAPS é “distraído” com um convite para ver televisão? Isso não é considerar a priori que ele não tem condição para diálogo e negociação? É preciso conversar mais com os usuários aos invés da adoção de uma atitude prescritiva. Não podemos invalidar os saberes das pessoas. O usuário do serviço precisa se apropriar do processo. Os projetos terapêuticos precisam ser co-produzidos em um campo de negociação com os familiares e com os usuários. Os projetos terapêuticos se dão enquanto projetos de vida ou projetos para a vida. Assim é possível pensar a superação da lógica asilar com produção de uma nova realidade que libere a sociedade da necessidade do manicômio através de uma mudança cultural. A superação da lógica manicomial implica no compartilhamento de responsabilidades.

Alguns dos direitos fundamentais são: trabalho, cultura e escola. Os valores devem estar centrados nas pessoas e não nas instituições. O serviço precisa ser construído de acordo com as necessidades das pessoas.

O objeto do modo psicossocial não é a doença e também não é estático. O objeto é a existência e o sofrimento e está em constante transformação. Sendo assim, o horizonte da intervenção não é a cura como meta ideal, mas a superação da idéia de saúde como ausência de doença.

Serviços fortes são fortes em recursos para produzirem mensagens e valores. Serviços devem ser fortes no reconhecer o usuário em sua singularidade e complexidade. É no campo das relações entre os fortes e os considerados frágeis que Saraceno critica a idéia de auto-suficiência. É preciso uma transformação cultural da instituição para viabilizar a transformação estrutural do serviço. Os serviços tornam-se substitutivos a partir de suas práticas concretas. O serviço não pode ser pensado como uma finalidade em si. Pensar o serviço como um recurso implica no constante questionamento do que se está produzindo no serviço.

Hospitalidade integral pode ser definida como atenção contínua 24 horas à pessoa dotada de direitos, não confinada/isolada, hospitalidade esta com o objetivo de diminuição dos conflitos envolvendo a pessoa e seu contexto ambiental, através de um cuidado de contato, com construção de vínculo, cuidado intensivo.

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