terça-feira, 21 de setembro de 2010

Do Bill: Fernando Pessoa

Recentemente
Recentemente, entre a poeira de algumas campanhas políticas, tomou de novo relevo aquele grosseiro hábito de polemista que consiste em levar a mal a uma criatura que ela mude de partido, uma ou mais vezes, ou que se contradiga, frequentemente. A gente inferior que usa opiniões continua a empregar esse argumento como se ele fosse depreciativo. talvez não seja tarde para estabelecer, sobre tão delicado assunto do trato intelectual, a verdadeira atitude científica.

Se há facto estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentada sobre a mesma opinião, sempre coerente consigo própria. A contínua transformação de tudo dá-se também no nosso corpo, e dá-se no nosso cérebro consequentemente. Como então, senão por doença, cair e reincidir na anormalidade de querer pensar hoje a mesma coisa que se pensou ontem, quando só o cérebro de hoje já não é o de ontem, mas nem sequer o dia de hoje é o de ontem? Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural.

A coerência , a convicção, a certeza são, além disso, demonstrações evidentes - quantas vezes escusadas - de falta de educação. è uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é macá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade.

Uma criatura de nervos modernos de inteligência sem cortinas, de sensibilidade acordada, tem a obrigação cerebral de mudar de opinião e de certeza várias vezes no mesmo dia. Deve ter, não crenças religiosas, opiniões políticas, predilecções literárias, mas sensações reigiosas, impressões políticas, impulsos de admiração literária.

Certos estados de alma da luz, certas atitudes da paisagem têm sobretudo, quando excessivos, o direito de exigir a quem está diante deles determinadas opiniões políticas, religiosas e artísticas, aqueles que eles insinuem, e que variãrão, como é de entender, consonte esse exterior varie. O homem disciplinado e culto faz da sua sensibilidade e da sua inteligência espelhos do ambiente transitório: é republicano de manhã, é monarquico ao crepúsculo; ateu sob um sol descoberto, e católico ultramontano a certas horas de sombra e de silêncio; e não podendo admitir senão Mallarmé àqueles momentos de anoitecer citadino em que desabrocham as luzes, ele deve sentir todo o simbolismo, uma invenção de louco quando, ante uma solidão do mar, ele não souber de mais do que da “Odisseia”.

Convições profundas, só as têm as criaturas superficiais. Os que não reparam para as coisas quase que as vêem apenas para não esbarrar com elas, esses são sempre da mesma opinião, são os íntegros e os coerentes. A política e a religião gastam dessa lenha, e é por isso que ardem tão mal ante a Verdade e a Vida.

Quando é que despertaremos para a justa noção de que a política, a religião e vida social são apenas graus inferiores e plebeus da estética - a estética dos que ainda não a podem ter? Só quando uma humanidade livre dos preconceitos de sinceridade e coerência tiver acostumada às suas sensações a viverem independentemente, se poderá conseguir qualquer coisa de beleza, elegância e serenidade na vida.

1915

Fernando Pessoa in Os Portugueses - A opinião pública

sábado, 11 de setembro de 2010

Quando acabar o maluco sou eu

http://espacoartaudciadeteatro.blogspot.com/
Quando acabar o maluco sou eu

O inusitado título desta postagem, além de ser o nome de uma música de Raul Seixas, é também do novo livro da editora Espaço Artaud.
Lançado no dia 30 de julho de 2010, durante o 23º Inverno Cultural da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), Minas Gerais, o Quando acabar o maluco sou eu é um livro de autoria do professor Walter Melo em parceria com a equipe do Núcleo de Estudo, Pesquisa e Intervenção em Saúde (NEPIS), da mesma
Universidade.
O livro é fruto do II Seminário de Saúde & Educação: quando acabar o maluco sou eu, ocorrido em setembro de 2008, na UFSJ. Nele estão reunidas todas as palestras ministradas durante o evento, nas quais foram abordados temas referentes à saúde mental, direito, educação, literatura e arte.
Dessa forma, o Quando acabar o maluco sou eu torna-se mais que um livro. Ele é também o retrato de uma ação conjunta que visa contribuir na melhoria da formação dos novos profissionais da psicologia e de outras áreas, ampliando os debates referentes ao campo da saúde e favorecendo a implementação de novas
parcerias e de ações intersetoriais.

sábado, 4 de setembro de 2010

Do Blog da Associação Maluco Beleza, de 03/09/2010

E

PSICOSE, DROGAS E DITADURA

O belo e o verdadeiro.
A poesia e a ciência...
Os relatos que fazemos, sobre tudo o que rola neste grupo: drogas, psicose, ditadura, etc., são relatos de personagens reais, que dignificam o ser humano. Muitos desapareceram, sumiram da vida. Outros não morreram, porém... não existem mais. Vagam pela vida, destruídos psicologicamente, perdidos, andando, de lá prá cá, sem eira nem beira. Uma energia vital, que um dia, existiu, mas, que foi-se apagando, se apagando, até sua destruição total.
Como não se pensar no psicótico? Como não se pensar no usuário, pesado, de drogas? Como deixar de pensar no crack? O que sobra para eles? NADA, salvo a medicação ou... uma pedra e, talvez, algum envolvimento nosso, mas, como sempre, muito exíguo, pequeno, insuficiente, querendo ajudar, mas, absolutamente impotentes pela situação, tão acima das nossas possibilidades e das nossas forças. Como uma erupção vulcânica, trágica e destruidora, mas, ao mesmo tempo, deslumbrante e bela. É assim que vemos a doença mental grave e, é assim que vemos, também, o crack. Uma erupção humana, fantástica, sem limites, incontrolável e, no mesmo instante, bela e trágica, tão próxima de nós e, ao mesmo tempo, tão distante, mas, verdadeira e humana, demasiadamente humana. Talvez, a fuga, o escape, a forma de esquecer a dor, a angústia e o desespero dos inconformados, dos desesperados, dos que sonham e dos que deliram, dos que procuram em vão, uma saída desse mundo cinza, medíocre onde são obrigados a viver. Sem crenças, sem acordos, sem intermediários, sem negociar com ninguém sua possível salvação. Felicidade? Afinal, o que é isso? Serve para que? Ser feliz ou infeliz, nada mais é, do que uma sensação, nada mais. O que nos destrói é a nossa própria culpa e, em razão dela, esse voluntarismo exacerbado em querer salvar nosso semelhante, qualquer semelhante. Lamentável, apenas, é que a droga ou a psicose, acabem por anestesiar tudo o que de mais forte e revolucionário existe dentro do jovem: SUA INDIGNAÇÃO, a “energia da indignação”, apontada por Reich. Ajudar é o que desejamos, mas, como, se não estamos nas mesmas condições deles? Só com nossas intenções, vontades e desejos? Será que eles poderia encontrar junto de nós, a salvação? Será? Quem somos nós, que nada sabemos? Como minorar esse sofrimento, que só encontra saída, na psicose e na droga? Será a ciência a salvação deles? A medicina, a psiquiatria, a psicologia e todas as demais “logias” serão o caminho da salvação? Será? Será que torná-los hipocondríacos os libertará, os salvará? Essas preocupações são apenas nossas, não são deles. Eles querem, apenas, viver. Será que a medicina tem amor ao próximo ou, seu amor é dedicado somente à ciência, como muitas pessoas que amam, mas não, ao seu semelhante, amam somente o amor? Quantos anos levamos para morrer? Quem sabe? Eu já levei 77 e, estou ainda, por aqui.

Que o humor e a solidariedade, jamais nos abandonem.

O que é mais importante, o belo ou, o verdadeiro?

A poesia, ou a ciência?

Geraldo