sábado, 8 de outubro de 2011

Divulgando a pedido do Lincoln, lá de Tocantins.

SOBRE A AÇÃO CIVIL DE OBRIGAR O ESTADO DO TOCANTINS A
INTERNAR DEPENDENTES QUÍMICOS ( jornal do Tocantins 07/10/2011)
Eu entendo a seriedade com que o Ministério público, a Defensoria e a OAB se movimentaram para que uma ação civil, obrigando o Estado a internar dependentes químicos, viesse à tona. Entretanto, trata-se de uma
atitude desesperada e até ingênua, isso é importante que se diga.
Desesperada, pois há muito se sabe que a internação, além de ser apenas uma etapa do tratamento, em lugar algum do mundo traz estatísticas animadoras no que se refere a recuperação do dependente, se vista de forma isolada.
Importante dizer também que ela é consequência de uma total desarticulação e falta de diálogo entre os segmentos da máquina pública, pois sabemos que a única forma de um combate mais efetivo ao problema
das drogas é realizada através de ações conjuntas entre os diversos órgãos: Segurança Pública, Saúde, Cidadania e Justiça, Educação, Trabalho, Assistência Social, etc.
O que acontece, entretanto, é que com a ação pública em questão corre-se o risco de priorizar uma forma de tratamento que tem indicações técnicas específicas e que não atinge a necessidade de grande parte dos
usuários, além de onerar tanto o estado que tornará o problema ainda mais agravado. Sinto profundamente pela falta de memória que temos enquanto cidadãos, uma espécie de amnésia histórica, tipicamente brasileira, pois há pouco mais de vinte anos esse era exatamente o modelo de tratamento mais usado para dependentes de álcool, cocaína e maconha, entre outras drogas, mas que não deu certo. Internava-se com a máxima facilidade e simplesmente nunca houve resolutividade, já que após 6 ou 9 meses internado, logo ao sair da clínica, lá estava o usuário se drogando de novo, perpetuando um ciclo de recaídas. Tratar da dependência de drogas sem uma rede constituída que trabalhe globalmente, inclusive com a família e a comunidade, é perda de tempo e de dinheiro público.
E isso por quê? Porque o problema das drogas é multifatorial e depende de inúmeras ações conjugadas que vão muito além de uma internação. Se antes não havia políticas específicas, hoje, o que não existe é o cumprimento delas. Atualmente contamos com uma ampla gama de portarias e projetos, temos verbas e incentivos variados, mas incrivelmente, ainda assim, agimos como desesperados correndo de um lado a outro sem nos comunicarmos adequadamente, trazendo o risco de reproduzirmos a mesma coisa que no passado já foi feita e não trouxe resolutividade.
É importante que se considere a internação, como disse, parte do tratamento e não o foco principal. Nesse sentido, medidas como essa da ação pública do MPE do Tocantins e como aquela do Rio de janeiro (de
retirar à força os menores das ruas) são infantilizadas e demonstram a ingenuidade que citei. Falo infantilizadas porque é assim que uma criança faz quando não quer que um problema exista, isto, é, põe suas mãos sobre os olhos e simplesmente não vê mais o que está à sua frente. Não vendo, passa a crer que o problema também desapareceu. Estamos prestes a fazer a mesma coisa. Tirar o dependente químico de circulação causa uma falsa sensação de alívio à sociedade, pois parece que algo eficaz está sendo feito. Todavia, sem uma rede de ações estruturadas, nada de eficaz está sendo feito, salvo protelando para um futuro próximo o mesmo problema.
Pois bem então, e daí? O que efetivamente pode ser feito? Talvez a primeira coisa realmente efetiva a ser feita é o Ministério Público, a OAB, a Defensoria Pública ou o Judiciário, ao invés de obrigarem a internação de dependentes químicos, cobrarem, através de medidas legais, que os dirigentes do executivo (nas esferas estadual e municipal), cumpram portarias, leis e resoluções já existentes.
Que esses dirigentes, para isso, convoquem seus técnicos, secretários, diretores, superintendentes, a criarem grupos intersetoriais com poderes deliberativos para pensarem, discutirem e executarem ações interligadas, fazendo com sejam realmente cumpridas.
Cito aqui o exemplo de algumas dessas ações já previstas e priorizadas pela política nacional do Ministério da Saúde: ampliar os leitos de retaguarda para desintoxicação nos hospitais gerais (e alguns em clínicas
especializadas para os casos indicados), implantar CAPs-ad III em cidades estratégicas (são serviços que internam usuários por vários dias), implantar as casas de acolhimento transitório (CATS) para moradores em situação de rua, incentivar as políticas de redução de danos, consultórios de rua e aquelas geradoras de renda (economia solidária), mapear a cidade, entendendo a dinâmica de fluxo que a droga tem naquela comunidade, investir na capacitação permanente dos profissionais da rede pública, fortalecer a repressão (diminuição da oferta), fortalecer políticas de prevenção através dos meios de comunicação, etc. Isso é eficaz e já existe, por que não se cumpre?
Curiosamente não são medidas de grande complexidade, dependem sim de vontade política e compromisso social, pois além de haver verbas federais destinadas a diversos programas, já há lugares que se utilizam
amplamente de uma rede pública que dialoga entre si (o estado de Sergipe, as capitais Recife e Belo Horizonte, entre outros), sendo inclusive uma das pautas principais da meta de governo da nova presidente, o combate efetivo às drogas através de medidas intersetoriais.
O problema parece estar em desfazer uma espécie de Torre de Babel, onde ninguém entende ninguém e cada segmento tenta idealizar de forma individualizada ‘feitos espetaculares’, ‘programas salvadores’ isolados e fragmentados que, assim como essa ação civil, mesmo estando apoiada na legitimidade de órgãos sérios e competentes como o Ministério Público, Defensoria e a OAB, longe de resolver o problema, só irá criar outro ainda maior à medida que estourar os cofres públicos e se mostrar ineficaz (uma vez mais na História).
Que ao menos essa ação pública sirva para demonstrar sua própria ineficácia e a incrível falta de comunicação que todos temos tido, estimulando, mesmo que de forma compulsória, o enfraquecimento de
ideologias sectárias, (boa parte delas com interesses mercadológicos e que dominam secularmente a saúde mental), promovendo então, quem sabe, uma interlocução efetiva entre os diversos segmentos sociais.
O momento é grave e operacional, não ideológico, momento de unirmos forças com toda a sociedade, esquecendo inclusive divergências ideológicas, sejam elas científicas religiosas ou filosóficas. Que cada uma
contribua com sua parte, suas idéias, reconheça seu lugar, mas não aja mais isoladamente como se detivesse a posse de alguma verdade. Juntos, ainda somos poucos para enfrentar essa dramática situação, porém,
isoladamente somos verdadeiramente nada.
Lincoln J.C. Almeida
Médico psiquiatra e diretor técnico do CAPS-ad/Palmas

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Copiado do FB do Bill:

Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima

- eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

[...]

- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço
- e penso que vou dizer algo cheio de razão,

mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,

que te procuram.

{ Herberto Helder }

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Só antecipando a festa:
Às nossas companheiras da Aldeia,
Desejamos sucesso no concurso, domingo, para continuarmos unidos na construção da Saúde Mental de Pouso Alegre!
Um forte abraço de todos nós,
UBUNTU! \O/

segunda-feira, 18 de julho de 2011

COMPARTILHANDO DO BLOG TERAPIA OCUPACIONAL, DA ÉRIMA DE ANDRADE

domingo, 17 de julho de 2011
Por que fazer terapia?
O que leva alguém a buscar uma terapia, ou qualquer outro trabalho de autoconhecimento?

Todos buscam a mesma coisa, mesmo que não tenham clareza da resposta: independência emocional. Buscam uma maneira de pensar sobre a própria vida e de compreender seus processos internos para conquistarem a independência emocional. Buscam ser mais felizes.

Mas um terapeuta não tem as respostas. Todas as respostas são internas e pessoais. Hermann Hesse define muito bem essa impossibilidade de receber respostas do outro:

"Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo".

Fátima A. Bittencourt explica assim por que conhecer a si mesmo:

“Por mais que pareça que os outros escolhem nossos caminhos, sempre tem uma permissão nossa para isso acontecer. Se não existe uma satisfação para onde estes caminhos estão levando é hora de repensar os erros que se repetem e as virtudes que não estão sendo praticadas.

Chamamos esse novo caminhar de autoconhecimento. Esse é o chão que sustenta o caminho escolhido e a base da própria vida. A sabedoria é o que praticamos com o autoconhecimento que adquirimos, e ela é que abre os caminhos para que possamos ser felizes.”

Mas os caminhos só se abrem quando temos a coragem, e ousadia, de viver no momento presente. Segundo Schopenhauer a consequência da fuga do presente é a insatisfação eterna dos que não valorizam o que possuem, desejando sempre coisas distantes. Quando conseguem o que querem, essas pessoas passam imediatamente a desejar outras coisas ainda mais difíceis.

Heloisa Capelas completa: “Outra consequência da fuga do presente é a incapacidade de tomar decisões no momento certo. As pessoas esquecem do que está acontecendo nesse exato momento, só valorizam algo depois que o perdem. Quem só pensa no futuro desaprende a interagir com as coisas que estão diante de seus olhos.”

Solidez é o que conquistamos vivendo o momento presente. Segundo Thich Nhat Hanh:

“Solidez torna possível a nossa felicidade. Alguém que não é estável, alguém que não é sólido não pode ser uma pessoa feliz. Quando você é sólido, as pessoas podem confiar em você. Quando seu amado é sólido, você pode confiar nele. Portanto solidez é algo que você pode oferecer à pessoa que ama, como o frescor.”

Como terapeutas, ou professores de autoconhecimento, podemos oferecer a solidez, podemos ajudar a tornar visível o que esta inconsciente, ajudar a repensar os erros que se repetem, a lembrar o que estão vivendo nesse exato momento, podemos oferecer nossa disponibilidade para ajudar, para ampliar seu campo de visão. Como diz Arthur Schopenhauer: “Todo o homem toma os limites de seu próprio campo de visão como os limites do mundo.” E algumas vezes esse mundo fica muito pequeno e sem graça.

Podemos sim estar perto, mas não podemos resolver. Explica Peter Pál Pelbart:

“Mas os anjos não são deuses. Eles não podem tudo (...)

Os anjos não podem mudar a face do planeta nem dirigir o curso do mundo. No máximo podem tornar mais leve o fardo de uma ou outra vida, de um ou outro momento de uma vida ou outra.

Um pouco como um terapeuta: essa disponibilidade para ouvir, para tocar, essa presença discreta que pode às vezes suscitar um novo começo – mas também essa impotência para determinar, para resolver, para viver no lugar de.”

O caminho é só seu, mas conte sempre com a nossa ajuda. Por mais difícil que seja acreditar, toda noite escura tem um fim brilhante. Regina Saraceni explica:

“É assim mesmo... antes do amanhecer... a escuridão é grande, mas chegam os raios de luz, trazendo vida para nossos corações. Existe até uma meditação assim, você se levanta antes do Sol nascer, se posiciona em direção ao nascimento dele, senta-se confortavelmente e respira calma e profundamente, prestando atenção na sua respiração. E observa... num momento a luz se faz.”

Não é mágico, algumas vezes não é rápido, mas sempre vale à pena.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Lançamento do livro do Aidê: uma honra pra Aldeia!

No dia 15/7, sexta-feira, às 10 horas, o Aidê estará em Pouso Alegre, no CAPS, para lançar seu livro:
"Lendas no cotodiano humano do bicho de sete cabeças",
quando conversará informalmente com quem aparecer por lá!

O endereço é Rua Anísio de Paiva, 132 - Nova Pouso Alegre (pertinho da Av Vicente Simões).

Vai lá!

domingo, 10 de julho de 2011

UBUNTU: “Sou quem sou, porque somos todos nós”

UBUNTU
Giuliana Capello, blog Gaiatos e Gaianos

Não, não, este post não vai tratar de software livre. O tema da vez é o Ubuntu nascido na África, gerações e gerações antes de nós, como uma filosofia ou um conjunto de valores éticos que não cabe numa única definição – porque é mais fácil entender com o coração e não como um apanhado de palavras bem articuladas.

Dia desses recebi um email que despertou minha curiosidade em saber um pouquinho mais sobre essa história de nome engraçado. A mensagem relatava uma brincadeira que teria sido promovida por um antropólogo durante suas pesquisas numa tribo africana. Diz a história que ele havia deixado debaixo de uma árvore um bonito cesto de doces comprados na cidade. Então, ele chamou as crianças e propôs uma corrida até as guloseimas. Quem chegasse primeiro ficaria com o prêmio. Mas, para sua surpresa, quando ele disse “já!”, todas as crianças se deram as mãos e saíram correndo em direção à arvore dos doces. Quando chegaram lá, começaram a distribuir os doces entre si e a comerem, felizes. O antropólogo, então, perguntou por que elas tinham ido todas juntas se uma só poderia ter ficado com tudo e, assim, comeria muito mais doces. E as crianças simplesmente responderam: “Ubuntu, tio. Como uma de nós poderia ficar feliz se todas as outras estivessem tristes?”
Entendeu o que é Ubuntu? Talvez você, tanto quanto eu, ainda tenha dúvidas e fique inseguro ao tentar explicar a alguém o que é, afinal, Ubuntu. Apesar disso, o espírito dessa prática filosófica, digo por mim, tocou-me profundamente. Ubuntu significa: “Sou quem sou, porque somos todos nós”. É bonito, não?
Ubuntu fala sobre a noção de comunidade que, infelizmente, muitos de nós perdemos pelo caminho, em algum momento. É aquele sentimento de solidariedade, gentileza, respeito, tolerância e pertencimento que faz das relações, atitudes e comportamentos humanos experiências ricas, únicas, transcendentais.
Para o arcebispo Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz, Ubuntu é um dos presentes da África ao resto do mundo. Envolve hospitalidade, cuidado com os outros, ser capaz de dar um passo a mais pelo bem dos outros. “Acreditamos que uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas, que minha humanidade está vinculada indissoluvelmente à sua. Quando desumanizo você, inexoravelmente me desumanizo. O ser humano solitário é uma contradição em termos, portanto, trabalhe para o bem comum porque sua humanidade vem de sua própria pertença”, diz ele.
Quando penso agora na minha comunidade na ecovila Clareando, sinto-me renovada ao sentir o quanto sou mais feliz hoje por fazer parte dela e ser capaz de entender com todos os meus sentidos o que é essa tal qualidade de pertença ou pertencimento, de sentir-se parte de algo, sempre junto com outras pessoas. Para mim, o que falta à humanidade hoje para atravessarmos as crises socioambientais é justamente essa palavrinha: Ubuntu. É claro que não sou a única a pensar assim, não estou sendo muito original, na verdade. Várias lideranças mundiais já se referiram ao conceito de Ubuntu para falar das carências de um conjunto de qualidades humanas deixadas para trás, tão equivocadamente. Bill Clinton já discursou sobre Ubuntu, assim como Nelson Mandela. Em poucas palavras, Ubuntu conecta os seres humanos, destrói a indiferença diante da dor do outro, incorpora a troca de sorrisos com o vizinho como um indicador de bem-estar, saúde e qualidade de vida.
E tenha certeza: a solidão que muitas pessoas sentem como uma angústia profunda é falta de Ubuntu, desse algo que nos acolhe como uma lareira em dias frios. Nas palavras usadas pela Fundação Tutu na Inglaterra (vale a pena visitar o site e ler mais sobre o assunto), nós apenas podemos ser humanos quando estamos juntos. Esse é o único jeito.


Fonte da foto: dignow.org

UBUNTU PRA VOCÊS!

UBUNTU
Giuliana Capello, blog Gaiatos e Gaianos

Não, não, este post não vai tratar de software livre. O tema da vez é o Ubuntu nascido na África, gerações e gerações antes de nós, como uma filosofia ou um conjunto de valores éticos que não cabe numa única definição – porque é mais fácil entender com o coração e não como um apanhado de palavras bem articuladas.

Dia desses recebi um email que despertou minha curiosidade em saber um pouquinho mais sobre essa história de nome engraçado. A mensagem relatava uma brincadeira que teria sido promovida por um antropólogo durante suas pesquisas numa tribo africana. Diz a história que ele havia deixado debaixo de uma árvore um bonito cesto de doces comprados na cidade. Então, ele chamou as crianças e propôs uma corrida até as guloseimas. Quem chegasse primeiro ficaria com o prêmio. Mas, para sua surpresa, quando ele disse “já!”, todas as crianças se deram as mãos e saíram correndo em direção à arvore dos doces. Quando chegaram lá, começaram a distribuir os doces entre si e a comerem, felizes. O antropólogo, então, perguntou por que elas tinham ido todas juntas se uma só poderia ter ficado com tudo e, assim, comeria muito mais doces. E as crianças simplesmente responderam: “Ubuntu, tio. Como uma de nós poderia ficar feliz se todas as outras estivessem tristes?”
Entendeu o que é Ubuntu? Talvez você, tanto quanto eu, ainda tenha dúvidas e fique inseguro ao tentar explicar a alguém o que é, afinal, Ubuntu. Apesar disso, o espírito dessa prática filosófica, digo por mim, tocou-me profundamente. Ubuntu significa: “Sou quem sou, porque somos todos nós”. É bonito, não?
Ubuntu fala sobre a noção de comunidade que, infelizmente, muitos de nós perdemos pelo caminho, em algum momento. É aquele sentimento de solidariedade, gentileza, respeito, tolerância e pertencimento que faz das relações, atitudes e comportamentos humanos experiências ricas, únicas, transcendentais.
Para o arcebispo Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz, Ubuntu é um dos presentes da África ao resto do mundo. Envolve hospitalidade, cuidado com os outros, ser capaz de dar um passo a mais pelo bem dos outros. “Acreditamos que uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas, que minha humanidade está vinculada indissoluvelmente à sua. Quando desumanizo você, inexoravelmente me desumanizo. O ser humano solitário é uma contradição em termos, portanto, trabalhe para o bem comum porque sua humanidade vem de sua própria pertença”, diz ele.
Quando penso agora na minha comunidade na ecovila Clareando, sinto-me renovada ao sentir o quanto sou mais feliz hoje por fazer parte dela e ser capaz de entender com todos os meus sentidos o que é essa tal qualidade de pertença ou pertencimento, de sentir-se parte de algo, sempre junto com outras pessoas. Para mim, o que falta à humanidade hoje para atravessarmos as crises socioambientais é justamente essa palavrinha: Ubuntu. É claro que não sou a única a pensar assim, não estou sendo muito original, na verdade. Várias lideranças mundiais já se referiram ao conceito de Ubuntu para falar das carências de um conjunto de qualidades humanas deixadas para trás, tão equivocadamente. Bill Clinton já discursou sobre Ubuntu, assim como Nelson Mandela. Em poucas palavras, Ubuntu conecta os seres humanos, destrói a indiferença diante da dor do outro, incorpora a troca de sorrisos com o vizinho como um indicador de bem-estar, saúde e qualidade de vida.
E tenha certeza: a solidão que muitas pessoas sentem como uma angústia profunda é falta de Ubuntu, desse algo que nos acolhe como uma lareira em dias frios. Nas palavras usadas pela Fundação Tutu na Inglaterra (vale a pena visitar o site e ler mais sobre o assunto), nós apenas podemos ser humanos quando estamos juntos. Esse é o único jeito.

Foto retirada do carlitolimablog.blospot.com

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Cartas a Théo, Vincent Van Gogh

"O que é desenhar? Como o conseguiremos? é a ação de abrir-se um caminho através de um muro de ferro invisível, que parece encontrar-se entre o que sentimos e o que podemos. como atravessar esse muro, já que de nada serve golpeá-lo com força? Devemos minar este muro e atravessá-lo à base de lima e, no meu entender, lentamente e com paciência. e é assim que poderemos continuar assíduos neste trabalho, sem nos distrairmos, a menos que não ponderemos e não arranjemos nossas vidas segundo nossos princípios. e isto vale tanto para as coisas artísticas quanto para as outras. e a grandeza não é uma coisa fortuita, ela deve ser desejada. determinar se os atos de um homem devem conduzi-lo aos princípios, ou os princípios aos atos, esta é uma coisa que me parece difícil de saber, e que vale tanto a pena quanto saber primeiro quem nasceu primeiro, se a galinha ou o ovo. mas considero como uma coisa positiva e de grande importância que nos esforcemos em desenvolver nossa energia e nosso pensamento".
(desenho retirado do vangogh-desenhoepintura.arteblog.com.br

Ubuntu

Equipe nova se conhecendo, trazendo novas vivências, somando forças, criando laços...UBUNTU!
(texto da Giuliana Capello, do blog Gaiatos e Gaianos)

Não, não, este post não vai tratar de software livre. O tema da vez é o Ubuntu nascido na África, gerações e gerações antes de nós, como uma filosofia ou um conjunto de valores éticos que não cabe numa única definição – porque é mais fácil entender com o coração e não como um apanhado de palavras bem articuladas.

Dia desses recebi um email que despertou minha curiosidade em saber um pouquinho mais sobre essa história de nome engraçado. A mensagem relatava uma brincadeira que teria sido promovida por um antropólogo durante suas pesquisas numa tribo africana. Diz a história que ele havia deixado debaixo de uma árvore um bonito cesto de doces comprados na cidade. Então, ele chamou as crianças e propôs uma corrida até as guloseimas. Quem chegasse primeiro ficaria com o prêmio. Mas, para sua surpresa, quando ele disse “já!”, todas as crianças se deram as mãos e saíram correndo em direção à arvore dos doces. Quando chegaram lá, começaram a distribuir os doces entre si e a comerem, felizes. O antropólogo, então, perguntou por que elas tinham ido todas juntas se uma só poderia ter ficado com tudo e, assim, comeria muito mais doces. E as crianças simplesmente responderam: “Ubuntu, tio. Como uma de nós poderia ficar feliz se todas as outras estivessem tristes?”

Entendeu o que é Ubuntu? Talvez você, tanto quanto eu, ainda tenha dúvidas e fique inseguro ao tentar explicar a alguém o que é, afinal, Ubuntu. Apesar disso, o espírito dessa prática filosófica, digo por mim, tocou-me profundamente. Ubuntu significa: “Sou quem sou, porque somos todos nós”. É bonito, não?

Ubuntu fala sobre a noção de comunidade que, infelizmente, muitos de nós perdemos pelo caminho, em algum momento. É aquele sentimento de solidariedade, gentileza, respeito, tolerância e pertencimento que faz das relações, atitudes e comportamentos humanos experiências ricas, únicas, transcendentais.

Para o arcebispo Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz, Ubuntu é um dos presentes da África ao resto do mundo. Envolve hospitalidade, cuidado com os outros, ser capaz de dar um passo a mais pelo bem dos outros. “Acreditamos que uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas, que minha humanidade está vinculada indissoluvelmente à sua. Quando desumanizo você, inexoravelmente me desumanizo. O ser humano solitário é uma contradição em termos, portanto, trabalhe para o bem comum porque sua humanidade vem de sua própria pertença”, diz ele.

Quando penso agora na minha comunidade na ecovila Clareando, sinto-me renovada ao sentir o quanto sou mais feliz hoje por fazer parte dela e ser capaz de entender com todos os meus sentidos o que é essa tal qualidade de pertença ou pertencimento, de sentir-se parte de algo, sempre junto com outras pessoas. Para mim, o que falta à humanidade hoje para atravessarmos as crises socioambientais é justamente essa palavrinha: Ubuntu. É claro que não sou a única a pensar assim, não estou sendo muito original, na verdade. Várias lideranças mundiais já se referiram ao conceito de Ubuntu para falar das carências de um conjunto de qualidades humanas deixadas para trás, tão equivocadamente. Bill Clinton já discursou sobre Ubuntu, assim como Nelson Mandela. Em poucas palavras, Ubuntu conecta os seres humanos, destrói a indiferença diante da dor do outro, incorpora a troca de sorrisos com o vizinho como um indicador de bem-estar, saúde e qualidade de vida.

E tenha certeza: a solidão que muitas pessoas sentem como uma angústia profunda é falta de Ubuntu, desse algo que nos acolhe como uma lareira em dias frios. Nas palavras usadas pela Fundação Tutu na Inglaterra (vale a pena visitar o site e ler mais sobre o assunto), nós apenas podemos ser humanos quando estamos juntos. Esse é o único jeito.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Luto? Não. Esperança!

Querida companheira de equipe,
Ainda estou com um nó no peito por causa da sua saída - e sei que não sou a única. A briga anda feia, mas "eles" nem merecem comentários, aqui...
Só tenho a agradecer a sua ajuda e apoio incondicionais à causa, ao trabalho e a mim.
Você sempre pertencerá à equipe! Estamos para agendar o novo dia das reuniões clínicas . Quando eu souber, aviso e sinta-se, desde já, convocada para estudar, buscar saídas e lutar conosco, ok? Tem gente nova (e boa!), venha conhecer o grupo. Assim, no seu retorno, você estará bem atualizada! rsrsrsrsrsrs
Não tirarei você das listas, também. Você conquistou este espaço.
Diz pra gente seu novo local de trabalho e telefone. Precisando de QUALQUER coisa do CAPS (menos encaminhamento pro Everaldo... rsrsrsrs... - afinal, ele também já tem seu espaço entre nós), conte comigo, viu?

Beijos com carinho,

Claudia









--




“Porque um dia é preciso parar de planejar, retirar os planos da gaveta e, de algum modo começar… “
“Única testemunha do meu horizonte comemorei, sentado, a minha maior conquista: PARTIR. (…)
Partí para minha mais longa travessia e, mesmo que ela só durasse um único dia, eu havia escapado do maior perigo de uma viagem, da forma mais terrível de naufrágio: não partir.”


Amyr Klink, in "Entre Dois Pólos"

Aldeia no circo





Com alguns ingressos gentilmente cedidos pelo Circo, aqui fica registrada a alegria da tarde de sábado, dia 18/06/2011.
Agradecemos à Ana Claudia, que batalhou pelos ingressos, à Ana Clara, que cedeu as fotos,aos companheiros que compartilharam a experiência e aos donos do espetáculo, pela oportunidade do passeio!

sábado, 18 de junho de 2011

enquanto o almoço não sai, MATURANA, UMA UTOPIA POSSÍVEL!

O almoço em ritmo de "espera-descongelar-pra-ver-no-que-vai-dar. O que fazer?
Daí que lembrei de um texto sobre o Humberto Maturana, que queria colocar aqui no blog. A Viviane comentou, na especialização, sobre autopoiese e ele é o bam-bam-bam da "coisa".
Aí vai:

MATURANA, UMA UTOPIA POSSÍVEL!
Juares Soares Costa(*)

No início dos anos 70, eu era um estudante do curso de Medicina e tive contato com o livro de Arthur Koestler, “O fantasma na máquina”. A partir da teoria da evolução e baseando-se, entre outras fontes, em estudos biológicos, o autor desenvolveu a tese, depois muito difundida, de que o ser humano seria um erro da evolução e, conseqüentemente, seria inviável enquanto projeto. A presença em nossa estrutura cerebral de vestígios do que ele denominou de cérebro réptil, seria a explicação para a agressividade humana e para os atos anti-sociais destrutivos. Enfim, em conseqüência deste erro evolutivo, o ser humano acabaria por destruir a si mesmo e ao planeta. Uma visão extremamente pessimista. Coincidência ou não, Koestler suicidou-se em 1983, juntamente com sua esposa.
Estávamos no início dos anos 70, e ainda ouvíamos os ecos das palavras de ordem dos anos 60: Paz e Amor; Faça amor e não a guerra; Liberdade; É proibido proibir. O projeto de um mundo mais livre, igualitário e pacífico começava a ficar mais distante. A Ciência ajudava a desqualificar os sonhos de amor e solidariedade, reduzindo-os a gritos infantis dos jovens hippies,
que também um dia envelheceriam e compreenderiam a terrível verdade: o homem seria o lobo do homem. Nesta época, li uma reportagem na revista americana Time, “A geração centrada em si mesma”, que já anunciava a chegada de uma geração individualista e competitiva que, nos anos 80 e 90, ficou conhecida como os yuppies, jovens profissionais urbanos buscando o sucesso a qualquer preço e adeptos de um consumismo desenfreado. Uma postura diante do mundo que
continua muito presente até hoje. Muitos nos perguntamos então: O sonho acabou?
Nesta mesma época, um cientista chileno, o biólogo Humberto Maturana, juntamente com um ex-aluno seu, Francisco Varela, davam forma a uma das mais revolucionárias teorias do século XX e do século emergente: A TEORIA DA AUTOPOIESE. Inicialmente interessados em estabelecer uma teoria que pudesse definir o que é um ser vivo, e também em estudos sobre a cognição, Maturana e Varela descobriram a relação intrínseca entre VIDA e CONHECIMENTO: Viver é conhecer, é relacionar-se, é estabelecer vínculos de cooperação. Vínculos amorosos!
Autopoiese significa gênese de si mesmo. Os dois cientistas demonstram que, em última instância, o que diferencia os seres vivos dos não vivos, é a organização autopoiética, ou seja, a capacidade de participar de sua própria criação. Em função da estrutura e da organização dos seres vivos, é impossível qualquer tipo de interação do tipo instrutiva , ou seja, é impossível que o meio ambiente ou um ser vivo unilateralmente, possa determinar o que acontecerá dentro do organismo de outro ser vivo. Somos todos, da bactéria ao homo sapiens, seres determinados estruturalmente. Só são possíveis relações que possibilitem um encaixe, um acoplamento estrutural. No entanto, esta estrutura não é fixa, estática; o ser vivo muda ao longo de sua vida, em conseqüência das relações , repetidas que mantém com outros seres vivos e com o meio ambiente. Portanto, a estrutura, que não é apenas orgânica, muda, mas permanece a organização.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------
(*) Médico, psiquiatra, terapeuta sistêmico, diretor do Instituto de
Terapia de Família e Comunidade de Campinas. Fone (19) 3242-2823
e-mail: juares@scosta.med.br







Maturana e Varela retomam a teoria da evolução. Reafirmam o que Gregory Bateson já havia dito a respeito das idéias de Darwin e que, infelizmente foram tão mal compreendidas. A evolução propicia a sobrevivência do organismo em interação com o meio ambiente. Não é o mais forte (the strongest) que sobrevive, mas a unidade organismo e meio ambiente mais adaptados, mais encaixados( the fittest). Não há evolução ou sobrevivência de organismos isolados, mas apenas dos organismos em relação com o meio e vice-versa. Quando estas características estruturais modificadas permanecem ao longo de gerações de uma linhagem, temos, então, uma herança, um processo histórico. E não são apenas as características genético-cromossômicas que são passadas de geração a geração, mas também as formas de relacionar-se. Assim, da estrutura e organização dos seres vivos, fazem parte não apenas aspectos biológicos, mas também as formas de condutas, aqui entendidas como sendo as "mudanças de postura ou de posição de um ser vivo, que um observador descreve como sendo movimentos ou ações em relação a um ambiente determinado”. (1). Quando se dão acoplamentos estruturais recorrentes entre organismos que têm sistema nervoso, se dá um processo especial, que são os FENÔMENOS SOCIAIS. E por sociais entendam-se apenas as interações que se dão entre seres vivos, especialmente os humanos, aqueles em que se conserva uma emoção básica.
Maturana diz que tudo que fazemos, todas nossas condutas, mesmo aquelas que chamamos de racionais, dão-se sob o domínio básico de uma emoção, que ele denomina AMOR. Não o Amor místico, transcendental ou divino, e também não uma virtude especial de alguns poucos, mas uma Emoção, uma disposição corporal que nos possibilita algumas condutas e outras não e que funda o humano.
Ainda segundo Maturana, o Ser Humano surge quando se juntam uma série de características estruturais e organizacionais: o convívio em grupo, baseado na ajuda e proteção mútuas, o compartilhamento dos alimentos, o cuidado e proteção dos filhotes, e o prazer sensual e sexual da convivência entre machos e fêmeas, independentemente da reprodução. Todo este processo dá-se dentro da Linguagem. E Linguagem aqui significa muito mais do que o verbal.
Resumidamente, é disto que fala a BIOLOGIA DO AMAR. E aqui usamos o verbo Amar, ao invés do substantivo Amor, pois Amar pressupõe a ação de alguém. O Amor para Maturana é uma ação, uma atitude, onde o OUTRO É ACEITO COMO LEGÍTIMO OUTRO NA CONVIVÊNCIA. Nas palavras do próprio Maturana, temos: "O amor não é um fenômeno biológico eventual nem especial, é um fenômeno biológico cotidiano. Mais que isto, o amor é um fenômeno biológico tão básico e cotidiano no humano, que freqüentemente o negamos culturalmente, criando limites na legitimidade da convivência, em função de outras emoções. (...) A emoção que define o que chamamos de relações sociais é o amor, porque as ações que constituem o que chamamos de social são as de aceitação do outro como legítimo outro na convivência. (...) Nem todas as relações humanas são do mesmo tipo." (2) Relações que não se baseiam na aceitação do outro como legítimo outro, não são relações sociais. As relações de trabalho, por exemplo.
A esta altura, as tradicionais divisões e separações entre biológico e cultural, individual e social, emoção e razão, não fazem mais sentido.
Somos seres basicamente amorosos, em função de nossa organização e estrutura, mas vivemos em uma cultura patriarcal que nega nossos fundamentos amorosos, matriarcais.
Não nascemos sabendo fazer discriminações raciais, culturais ou de gênero. As crianças naturalmente se aceitam, independentemente de raça, classe social ou religião. Toda intolerância é conseqüência de um aprendizado cultural e social.
E quem diz isto agora é um BIÓLOGO, que nos mostra que o que já foi chamado de utopia é apenas uma coerência com nossa biologia: A BIOLOGIA DO AMAR.
Se aceitamos esta forma de ver o mundo e os seres vivos, se não negamos os fundamentos amorosos do humano, então vemo-nos obrigados a repensar todas nossas relações com outras pessoas, outros seres vivos e com nosso meio ambiente. Até nossas práticas profissionais precisam ser revistas. Em que emoção se baseiam?
Como ficam a Educação, as Psicologias e as Terapias, as Relações de Trabalho nas Empresas, as Questões Ambientais, as Práticas de Saúde? Vamos refletir sobre estas questões nos textos seguintes. Por enquanto, ficamos com as novas possibilidades que Maturana nos traz.
Muitos podem dizer que estas idéias constituem uma nova utopia. Pode ser que seja uma utopia, mas "com a vantagem que já nasce sem oposições (...) uma utopia que finalmente permite aos seres humanos se reencontrarem consigo próprios, reencontrando-se entre si". (3). E como disse um outro poeta, talvez sem saber que estava de acordo com as idéias de Maturana sobre a construção conjunta da realidade: "Sonho que se sonha junto, não é sonho, é realidade". (4)


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Maturana e Varela, A Arvore do Conhecimento, ed. Palas Athena
2- Maturana, Emoções e linguagem em e educação e política, Ed. UFMG, 2002
3- Rabelo, A., prefácio de Emoções e linguagem...., Ed. UFMG, 2002
4- Raul Seixas

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Da série: Recortes da Diva

Tenho uma amiga que já não precisa mais pagar pelas passagens de ônibus, há um bom tempo. Entretanto, este não é o maior trunfo que a idade lhe deu. Ela, linda e vaidosa senhora, continua buscando, através de constante trabalho pessoal, aprimoramento do saber e do sentir. Pois bem; semanalmente, recebo dela recortes de jornal, criteriosamente escolhidos, – talvez para me ajudar a crescer, talvez pelo puro prazer de doar sua percepção de mundo, semeando ideias e ideais. Enfim, sua generosidade me encanta.

Entre o dito e o não dito
Regina Costa, Estado de Minas
As palavras surtem seus efeitos. Sempre provocam, causam reações, sejam elas quais forem. Sendo bem ditas curam, o contrário também vale. Causam impacto por serem portadoras de ideias, verdades, mentiras, por relatarem situações vividas. Também na fala podemos identificar significados não explícitos.
Nas entrelinhas escutamos o não dito, o sugerido, o escondido. É também um conteúdo que a própria pessoa fala, porém ignora. É interessante. Nem sempre este saber acompanhava a experiência. E este saber, a própria pessoa não reconhece senão a partir da palavra daquele que escuta. É um saber inconsciente. Está fora da consciência, mas é um saber.
Como se, estando enrolados em uma situação, encontrássemos a porta de saída a partir de uma ideia que se torna consciente. Uma lembrança encoberta que vem à tona. De repente produz um insight, como costumávamos chamar um estalo de entendimento, de descobrir uma lógica. Daí entendermos por que estávamos tão angustiados, tomados pela ansiedade, irritados sem saber por quê. E então podemos nos conduzir conforme decidirmos, a nosso modo.
Digam, leitores, se isso não ajuda a solucionar muitas passagens de nossa vida, as quais só podemos resolver caso tenhamos entendido não apenas o nosso lado como também as motivações e atitudes nem sempre declaradas, nossas e daqueles que nos cercam. Por isso não nos cansamos de nos surpreender com um saber que nós não sabíamos, mas possuímos, mesmo assim.
Este saber é muito interessante e importantíssimo. Algumas pessoas preferem chamar de intuição, revelação ou o que quer que seja. Eu e, ouso dizer, todo psicanalista preferimos acreditar no saber inconsciente. Não sabemos só o que pensamos, o que é consciente. Nosso saber vai além, muito além. A análise nos conduz a saber um pouco sobre este saber oculto ou sob recalcamento (no esquecido).
Os sonhos mostram isto frequentemente. As piadas também. Elas dao recados do não dito que sai de nossa boca, e de repente todo mundo ri à beça. Porque todos entenderam a alusão e foram atingidos no ponto, sem pensar. Tocados como dizem os esgrimistas quando são atingidos pala espada do parceiro: touché!
Uma piada: dois portugueses foram jogar tênis e voltaram descalços. Decerto ela é corriqueira e preconceituosa, até mentirosa; deixaram prova disso muitos portugueses geniais: José Saramago, Fernando pessoa, Luís de Camões e, ainda vivo, Boaventura de Souza Santos. Há muitos outros portugueses.
A piada, no entanto, nos arranca risadas sem passar pelo pensamento, pois ela revela muito mais do que diz. Ela revela nosso ressentimento por nossos colonizadores e nossa crítica a eles, pois, tendo se apropriado de nossas riquezas naturais – ouro, diamantes, pedras preciosas – , eles perderam tudo. Além disso, impediram durante longos anos a alfabetização, o esclarecimento e o progresso dos colonizados.
Sejamos justos e não nos esqueçamos que também foram inteligentes. Napoleão Bonaparte declarou ser dom João VI o único monarca a enganá-lo para não ser destronado, fugiu da invasão napoleônica às pressas para o Brasil. Sobre esta esperteza, por nós herdada, podemos falar outro dia...

domingo, 12 de junho de 2011

Reproduzo o texto de Araxá, por admiração e respeito. Parabéns!

quinta-feira, 28 de abril de 2011
CAPS: o que é isso?

A psicose não é defeito/déficit na racionalidade. Ela é desrazão, nem menos, nem mais, é uma outra forma de funcionamento, assim, como o mítico e o poético.
Bichuetti


Atualmente, fala-se muito em todo o país sobre a Luta Antimanicomial, mas desinstitucionalizar a loucura não é um processo apenas técnico, jurídico, legislativo ou político.
A Reforma Psiquiátrica é muito mais do que derrubar os muros e grades dos manicômios, desativar celas fortes, proibir eletrochoque, “sossega-leão” ou camisa de força. Primeiro, é preciso quebrar dentro das pessoas o preconceito de que o “louco” é perigoso, inválido, improdutivo e irresponsável. Mesmo porque, a agressividade que ele, por vezes apresenta nas crises, ocorre muito mais por inabilidade ou violência dos familiares ou falta de capacitação do profissional de saúde.
A desinstitucionalização da loucura não ocorre por decreto, portaria ou lei. Ela se dá no cotidiano, e a efetividade das transformações só será possível quando toda a sociedade assumir o desafio de conviver com a diferença e aceitar a diversidade.
Dentro dessa lógica, surge o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) um serviço público de saúde mental que visa prestar atendimento às pessoas com sofrimentos psíquicos graves e persistentes, diminuindo e evitando internações psiquiátricas. Os usuários voltam para casa todos os dias, sem a quebra dos laços familiares e sociais, fator muito comum em internações de longa duração.
A clínica antimanicomial busca amenizar e cuidar da crise aguda sim, para que as pessoas possam recuperar a autonomia e se inserir nas atividades cotidianas. Assegura a monitoração apropriada da medicação, oferece assistência social, apoio familiar, espaço para a elaboração psicológica (psicoterapia), a terapia de grupo e oficinas terapêuticas (trabalhos manuais, culinária, esportes, música, poesia, tecelagem costura etc.). Assim, a crise não é vista como um transtorno ou um incômodo e o CAPS oferece um território continente e acolhedor marcado pela maternagem e a reconstrução do convívio social.
No CAPS, todas as práticas são integradas desenhando um projeto terapêutico individualizado para cada paciente e não, um tratamento padronizado. Todos os profissionais que lá trabalham têm que ter um objetivo comum: a valorização do paciente psiquiátrico e sua possibilidade de reprodução social.
É essencial que haja supervisão externa e formação permanente dos profissionais, para que não se tornem meros “consertadores” em saúde mental.
É preciso cuidar para que as práticas dos profissionais de saúde mental do CAPS não se reduzam à divisão de tarefas, cada especialista desempenhando sua função isoladamente. Esse funcionamento pode reforçar o sofrimento dos usuários em doença mental.
Segundo a Linha Guia de Saúde Mental do Ministério da Saúde:

Não se pode definir uma equipe como um aglomerado de trabalhadores, na qual cada um deles exerce apenas a sua função profissional específica. As identidades profissionais não podem servir de pretexto para o apego burocrático a uma função. Se é verdade que compete ao médico prescrever, o que o impede de levar os usuários a um passeio? Se a psicóloga deve responder por atendimentos individuais, por que não pode coordenar uma oficina? Se for atribuição da enfermeira supervisionar o trabalho dos auxiliares de enfermagem, por que não pode escutar e acompanhar seus pacientes? Se o porteiro deve zelar pelos que entram e saem, não lhe cabe também fazer companhia a quem fica? Também não podemos entender as equipes apenas como uma forma de dividir o trabalho, em que cada um faz “a sua parte”, sem necessitar preocupar-se com o produto total. Uma equipe de Saúde deve compor-se de profissionais de formações diferentes, assegurando assim a diversidade de suas funções e a troca de suas experiências. Naturalmente, as especificidades das diferentes profissões devem ser respeitadas.

Para Bichuetti (2010)
O CAPS não funciona numa perspectiva manicomial. Se assim o for, pode ser um ambulatório ou algo similar, não um CAPS. O manicômio é mais que um lugar de portas fechadas. É a especialização, a segmentação, as divisões que limitam a comunicação e influenciam no viver da clínica. Para Rotelli, é o lugar de troca zero. Estamos inventando um “entre” para o diálogo? O saber de alguém anula o desejo do outro? Porque podemos estar fragilizando as trocas e reinstituindo o manicômio. (...) No antimanicomial, a circulação é importante. É proibido entrar na cozinha, mas em casa entramos, temos acesso livre. Não tem como trabalhar sem maternagem no CAPS, não há CAPS sem festa: o CAPS não pode se converter num aparato cinzento de intervenções anêmicas e de silêncio normatizador.

O CAPS trabalha bastante articulado com a rede de serviços da região, pois tem a função de dar suporte e supervisão à rede básica também, além de envolver-se em ações intersetoriais – com a educação, trabalho, esporte, cultura, lazer etc. – na busca de reinserção dos seus membros em todas as áreas da vida cotidiana. As intervenções terapêuticas no espaço extra institucional são muito importantes. A ação terapêutica pode se dar durante os passeios, viagens, excursões, no clube, no cinema, na piscina, no campo, na cachoeira, nas bibliotecas, no restaurante, no bosque, no shopping, nos museus e em todos os espaços onde os sujeitos possam exprimir e exercitar sua subjetividade.
Existem algumas modalidades de CAPS, de acordo com as diferentes necessidades de cada território: CAPS I – para municípios com populações entre 20.000 e 70.000 habitantes, CAPS II – para populações entre 70.000 e 200.000 habitantes, CAPS III - acima de 200.000 habitantes (esse é o único que funciona 24 horas, incluindo feriados e fins de semana). CAPSi – atende crianças e adolescentes (até 17 anos de idade), e CAPSad – atende, especificamente, usuários de álcool e outras drogas cujo uso é secundário ao transtorno mental clínico.
Enfim, aquele que procura esse serviço de saúde mental não é um doente, mas uma pessoa em desequilíbrio, uma subjetividade, uma singularidade. A tarefa da equipe é facilitar o seu processo de descoberta de um modo menos doloroso de autoexpressão para ele e sua família, acompanhando a transformação de sua vida concreta e cotidiana, que alimenta o sofrimento.
A nova clínica antimanicomial acolhe os sujeitos e não somente a patologia, e é realizado “um trabalho de colagem dos pedacinhos. Remontagem de sentido e de valor. A busca meticulosa do tesouro contido na desordem, no caos” (MELMAN, 1999).
Conclamo o envolvimento de toda a sociedade e o apoio político e operacional dos governantes para que o CAPS de Araxá seja credenciado pelo Ministério da Saúde.

Angela Maria Amâncio de Ávila - Psicóloga- CRP-04/2683
Postado por Camila Bahia Leite às 23:01

sábado, 23 de abril de 2011

Parabéns pelo trabalho nesses dois anos de blog, Araxá!

Do pessoal de Araxá:

Saúde Mental - Atenção Básica
Olá! Em março, este blog completou 2 anos de existência! A matéria abaixo, foi a primeira postada em março de 2009.

A Política Nacional de Saúde Mental propõe que as práticas de saúde mental na atenção básica/saúde da família devam ser substitutivas ao modelo tradicional e não medicalizantes ou produtoras da psiquiatrização e psicologização do sujeito e de suas necessidades. Por isso, é necessária a articulação da rede de cuidados, tendo como objetivo a integralidade do sujeito, constituindo um processo de trabalho voltado para as necessidades singulares e sociais e não somente para as demandas. Considera-se que a atenção básica/saúde da família é a porta de entrada preferencial de todo o Sistema de Saúde, inclusive no que diz respeito às necessidades de saúde mental dos usuários. Busca-se resgatar a singularidade de cada usuário, investindo no seu comprometimento com o tratamento, apostando em seu protagonismo, tentando romper com a lógica de que a doença é sua identidade e de que a medicação é a ‘única’ responsável pelas melhoras; investir nas suas potencialidades; auxiliar na formação de laços sociais e apostar na força do território como alternativa para a reabilitação social. Dessa forma, há uma convergência de princípios entre a saúde mental e a atenção básica. Para que a saúde mental aconteça de fato na atenção básica é necessário que os princípios do SUS se transformem em prática cotidiana. Podemos sintetizar como princípios fundamentais da articulação entre saúde mental e atenção básica/saúde da família: promoção da saúde; território; acolhimento, vínculo e responsabilização; integralidade; intersetorialidade; multiprofissionalidade; organização da atenção à saúde em rede; desinstitucionalização; reabilitação psicossocial; participação da comunidade; promoção da cidadania dos usuários. Na articulação entre a saúde mental e a atenção básica o apoio matricial constitui um arranjo organizacional que visa ações conjuntas. Nesse arranjo, o profissional da saúde mental responsável pelo apoio participa de reuniões de planejamento das equipes de ESF, realiza ações de supervisão, discussão de casos, atendimento compartilhado e atendimento específico, além de participar das iniciativas de capacitação. Esse compartilhamento se produz em forma de co-responsabilização pelos casos, que pode se efetivar por meio de discussões conjuntas, intervenções junto às famílias e comunidades. Uma forma de implementar o apoio matricial é através dos NASF (Núcleo de Apoio à saúde da Família). Desde janeiro de 2008 há regulamentação para a formação destas equipes, com recomendação explícita de que cada NASF conte com pelo menos um profissional de saúde mental. A mudança do modelo de atenção à saúde mental dentro do SUS é direcionada para a ampliação e qualificação do cuidado nos serviços comunitários, com base no território. Trata-se de uma mudança na concepção e na forma de como deve se dar o cuidado: o mais próximo da rede familiar, social e cultural do paciente, para que seja possível a retomada de sua história de vida e de seu processo de adoecimento. Aliado a isto adota-se a concepção de que a produção de saúde é também produção de sujeitos. Os saberes e práticas não somente técnicos devem se articular à construção de um processo de valorização da subjetividade, onde os serviços de saúde possam se tornar mais acolhedores, com possibilidades de criação de vínculos. Existe um componente de sofrimento subjetivo associado a toda e qualquer doença, às vezes atuando como entrave à adesão a práticas de promoção da saúde ou de vida mais saudáveis. Poderíamos dizer que todo problema de saúde é também – e sempre – mental, e que toda saúde mental é também – e sempre – produção de saúde. Nesse sentido, é sempre importante e necessária a articulação da saúde mental com a atenção básica/saúde da família.

Coordenação Nacional de Saúde Mental – Ministério da Saúde