quarta-feira, 15 de junho de 2011

Da série: Recortes da Diva

Tenho uma amiga que já não precisa mais pagar pelas passagens de ônibus, há um bom tempo. Entretanto, este não é o maior trunfo que a idade lhe deu. Ela, linda e vaidosa senhora, continua buscando, através de constante trabalho pessoal, aprimoramento do saber e do sentir. Pois bem; semanalmente, recebo dela recortes de jornal, criteriosamente escolhidos, – talvez para me ajudar a crescer, talvez pelo puro prazer de doar sua percepção de mundo, semeando ideias e ideais. Enfim, sua generosidade me encanta.

Entre o dito e o não dito
Regina Costa, Estado de Minas
As palavras surtem seus efeitos. Sempre provocam, causam reações, sejam elas quais forem. Sendo bem ditas curam, o contrário também vale. Causam impacto por serem portadoras de ideias, verdades, mentiras, por relatarem situações vividas. Também na fala podemos identificar significados não explícitos.
Nas entrelinhas escutamos o não dito, o sugerido, o escondido. É também um conteúdo que a própria pessoa fala, porém ignora. É interessante. Nem sempre este saber acompanhava a experiência. E este saber, a própria pessoa não reconhece senão a partir da palavra daquele que escuta. É um saber inconsciente. Está fora da consciência, mas é um saber.
Como se, estando enrolados em uma situação, encontrássemos a porta de saída a partir de uma ideia que se torna consciente. Uma lembrança encoberta que vem à tona. De repente produz um insight, como costumávamos chamar um estalo de entendimento, de descobrir uma lógica. Daí entendermos por que estávamos tão angustiados, tomados pela ansiedade, irritados sem saber por quê. E então podemos nos conduzir conforme decidirmos, a nosso modo.
Digam, leitores, se isso não ajuda a solucionar muitas passagens de nossa vida, as quais só podemos resolver caso tenhamos entendido não apenas o nosso lado como também as motivações e atitudes nem sempre declaradas, nossas e daqueles que nos cercam. Por isso não nos cansamos de nos surpreender com um saber que nós não sabíamos, mas possuímos, mesmo assim.
Este saber é muito interessante e importantíssimo. Algumas pessoas preferem chamar de intuição, revelação ou o que quer que seja. Eu e, ouso dizer, todo psicanalista preferimos acreditar no saber inconsciente. Não sabemos só o que pensamos, o que é consciente. Nosso saber vai além, muito além. A análise nos conduz a saber um pouco sobre este saber oculto ou sob recalcamento (no esquecido).
Os sonhos mostram isto frequentemente. As piadas também. Elas dao recados do não dito que sai de nossa boca, e de repente todo mundo ri à beça. Porque todos entenderam a alusão e foram atingidos no ponto, sem pensar. Tocados como dizem os esgrimistas quando são atingidos pala espada do parceiro: touché!
Uma piada: dois portugueses foram jogar tênis e voltaram descalços. Decerto ela é corriqueira e preconceituosa, até mentirosa; deixaram prova disso muitos portugueses geniais: José Saramago, Fernando pessoa, Luís de Camões e, ainda vivo, Boaventura de Souza Santos. Há muitos outros portugueses.
A piada, no entanto, nos arranca risadas sem passar pelo pensamento, pois ela revela muito mais do que diz. Ela revela nosso ressentimento por nossos colonizadores e nossa crítica a eles, pois, tendo se apropriado de nossas riquezas naturais – ouro, diamantes, pedras preciosas – , eles perderam tudo. Além disso, impediram durante longos anos a alfabetização, o esclarecimento e o progresso dos colonizados.
Sejamos justos e não nos esqueçamos que também foram inteligentes. Napoleão Bonaparte declarou ser dom João VI o único monarca a enganá-lo para não ser destronado, fugiu da invasão napoleônica às pressas para o Brasil. Sobre esta esperteza, por nós herdada, podemos falar outro dia...

Nenhum comentário:

Postar um comentário